terça-feira, 17 de agosto de 2010

Cena curtíssima antropofágica


(os três personagens saem da platéia com uma garrafa de vinho e taças. Encontram se no centro do espaço definido para a ação, enchem as taças):

Primeiro: Um brinde! (alegre, sem entender)
Segundo: A que comemoramos?
Terceiro: A “ela”.
Segundo: Oras! (desapontado) Pensei que fosse algo importante.
Primeiro: Não temos nada pra comemorar...
Terceiro: Então, inventamos algo assim...
Segundo: Essa nossa “roda” inventada.
Primeiro: Mas, por quem?
Segundo: Não sei (querendo dizer que não foi ele)
Primeiro: Por mim!
Segundo: Por ti!
Terceiro: Por nós!
Segundo: Qualé?

(cada um corre para um canto do espaço)

Segundo: Vão me engolir.
Terceiro: Vão te engolir.
Primeiro: Vão nos engolir.
Terceiro: O Choque de gerações...
Primeiro: Qual o que?
Segundo: (achando graça) Existe isso?
Terceiro: Claro que sim.
Primeiro: Somos todos iguais.
Segundo: Eu e meus pais.
Terceiro: Você e seus pais.
Primeiro: Nós e nossos pais.

(todos dão gargalhadas, o segundo vai ficando sério)

Segundo: (repreendendo) Parem com isso!
(os outros dois param)
Segundo: Nossa “roda” é muito séria.
(olham se e caem na gargalhada novamente. Vem se juntando ao centro)
Terceiro: (ao primeiro) Você é feliz?
Primeiro: É pra ser feliz?
Terceiro: Sim. (colocando mais vinho nas taças)
Segundo: Mentira! (acendendo um cigarro) Ela só que nós tenhamos. Quanto mais, melhor.
Terceiro: Ah! Vai, falando sério.

(o primeiro vai responder, o segundo olha pra ele e diz):

Segundo: Não dá pra dizer, não é?
Primeiro: É.
Segundo: Enquanto tivermos um bom vinho e o que fumar está de bom tamanho.
Terceiro: (para o segundo) Palhaçada, hein?
Primeiro: Pare!
Segundo: Atenção!
Terceiro: Siga!
Segundo: São regras de uma boa educação.
Terceiro: E o que é uma boa educação?
Primeiro: Ninguém, até hoje soube responder esta questão.
Segundo: Quer saber? Eu vou pra casa.
Terceiro: Eu também.

(os dois vão saindo)

Primeiro: Ei, espere!

(os dois voltam)

Primeiro: A gente vai terminar a cena assim

(os dois se olham sem entender)

Primeiro: É. Este vai ser o nosso fim?
Segundo: Não.
Terceiro: O fim é a morte.
Primeiro: Como assim?
Terceiro: Todos se matam! Todos se comem. E eu não quero presenciar isso. Tiau. (sai)
Segundo: Eu também (sai)

(o primeiro que ficou esperando, de repente, leva um tiro e cai).

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Diário do Nada: Domingo: A ressurreição


Levantou cedo e foi à missa. Precisava ouvir palavras que o confortassem.
E ouviu:
- “Faça a tua parte e eu o ajudarei” – repetiu o Padre, a frase retirada do evangelho.
Foi embora. Já não estava sozinho. Sentiu um misto de alegria de criança quando se faz uma descoberta e de um adulto quando descobre uma resposta de uma pergunta sem resposta.
...

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Diário do Nada: sábado de aleluia


Dormiu a manhã inteira.
Levantou ao meio dia.
Almoçou.
Tomou banho.
E dormiu toda à tarde.
À noite não saiu.
Não fez nada.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Diário do Nada: Sexta feira: a crucificação


Resolveu sair com a Renatinha, sua ex. Pediu ao irmão uma grana emprestada, quando pudesse o pagaria.
Levou a mina numa boate, no centro dançar, e sentiu-se tão pequeno, diante da alegre juventude, da qual fazia parte, mas não participava. The girls and the boys tinham tanto pra ser feliz, e ele ali resmungando o que a vida lhe negava.
Não curtiu como previra. Não era o que ele queria, não o que realmente desejava. Tudo ia pela viela contrária. Via todos os seus sonhos se desmoronarem, como uma torre de babel se despencando e indo por terra a baixo.
Foram embora. Ele pilotava a moto adquirida nas sessenta prestações do consórcio, e retirada apenas no último sorteio.
A gata tava a fim de transa. Ele não, ele precisava, necessitava. Iria fazê-lo sentir tão vivo, como jamais sentira naqueles dias. Mas na hora “agá” brochou, seu pinto não o obedeceu, não subiu, falhou, o deixou na mão.
Era mesmo um nada. Era só o que faltava